7 horas da manhã, o
professor entra alegre e assoviando.
- Boooom dia garotada!
Os alunos, ainda com
sono, estranham a motivação do professor.
- Ô tio, o que aconteceu
pra você tá assim, todo ligadão, logo cedo? Deu um tirinho? Tomou uma
cafungada?
A turma ri.
- Tomei algumas decisões
importantes Morécio, a primeira delas foi parar de tomar os meus
antidepressivos, desde ontem, e por incrível que pareça, eu estou ótimo! Como
passaram o feriado? (Os rostos sonolentos dos alunos, após a pergunta,
carregaram uma expressão generalizada de tédio ao lembrarem-se do dia anterior,
alguns resmungaram) Vocês sabiam que antigamente, quando as escolas eram
públicas, jamais estaríamos aqui em uma sala de aula, numa sexta-feira, após um
feriado do dia do trabalho? Geralmente emendávamos. No início do ano, já
estudávamos o calendário do ano inteiro, tanto para programar o ano letivo,
quanto para programar o que faríamos nos feriados prolongados, a maioria dos
professores e alunos viajavam para a praia, para o interior, para outros
estados e até para o exterior.
- É sério isso Fessô?
- Sim Tiriricleide, era
muito comum irmos de avião, passar um feriado em Buenos Aires ou Montevideo,
por exemplo.
- Com salário de
professor? Conta outra!
- É verdade Renanzinho,
você pode ver as minhas fotos no Facebook, tenho muitas fotos das minhas
viagens.
- Você ainda tem Face
Fessô? O senhor é mó jurássico hein! Não vá me dizer que o senhor também tinha
aquele tal de Snapchat? Eu vi uns vídeo daqueles, na rede das antiga mano, é mó
tosco! O lance agora é tridimensional, é Universal Holografic Fessô! Você fala
com o seu amigo, como se ele estivesse materializado ali na sua frente. O tio
ainda tá no tempo do estático facebook?
- Pois é Dorinho, o
velhinho aqui não consegue acompanhar toda essa tecnologia. Bom voltando à vaca
fria...
- Pô vaca fria tio? O tio
fala umas gíria mó antiga, mó engraçada, vaca fria, ó o cara!
- É uma expressão popular
Jairzinho, antiga sim, e significa retomar o assunto anterior. Nesses tempos
áureos em que pessoas modestas podiam viajar, eu trabalhava em uma escola da
prefeitura, recebíamos nossos salários direto da municipalidade, não era o
ideal, mas equivalia a quase quatro salários mínimos. Éramos felizes e não
sabíamos. É bem verdade, que os professores do Estado já estavam com seus
salários bem defasados, e recebiam a metade disso, por conta de uma má gestão,
de mais de vinte anos, deste mesmo governo que ainda está no poder.
Duas alunas cochicham e
uma delas fala:
- Fessô, você pode falar
essas coisas na aula? Estamos estranhando a sua atitude tio... Isso daí que
você tá falando, envolve politica né?
- Sim Janaína, e isso
também tem a ver com as decisões importantes que eu tomei, se você quiser se
retirar da aula e me denunciar agora, para Associação de Pais e Mestres da
Escola sem Partido, fique à vontade. Vá lá receber o seu prêmio, pela minha
cabeça. Ou se preferir, após a aula pegue a guia de pareceres e denúncias
anônimas, com a presidente da turma, a sua colega Fransônia, preencha e
deposite na urna da diretoria.
Janaína e sua colega
ficaram imóveis com a inusitada e corajosa resposta do professor.
- Meu pai falô, que era
mó da hora passá os feriadão no Suarão, e ele disse que todo final de semana
fazia churrasco ca família. Otras época né Fessô?
- É Luiz, outras épocas.
Os mais pobres não precisavam pagar escolas e nem faculdades, chegamos a ter
até alguns programas de inclusão nas universidades, como sistemas de cotas
raciais e financiamentos públicos, além de uma enorme ampliação do sistema
universitário público, nos finais da primeira década e início da segunda
década desse século, haviam sido criados mais de 200 novos campus
universitários públicos pelo interior de todo o Brasil, que hoje estão sucateados
e esquecidos, muitos fechados, abandonados ou invadidos, por conta do famoso
congelamento das verbas destinadas à educação e à saúde. E os governos Lula e
Dilma ainda recebem a culpa de terem construído universidades, onde “não
precisava”. Tinha merenda fornecida de graça nas escolas, nada desses “Kantina
Ticket” que vocês têm de pagar antecipado mensalmente, e só trazia marmita,
quem preferia ou precisava de uma refeição especial. Se bem que, a corrupção
não é de hoje, e muitas vezes o dinheiro da merenda e da educação também sumia,
pelo meio do caminho, da mesma forma que acontece agora, com os subsídios
públicos repassados para as escolas privatizadas. Bem, estamos estudando a
República e na última aula, paramos no Governo Dilma, no golpe de 2016, não é
mesmo?
- Fessô, aqui no livro tá
escrito: "Revolução Parlamentar e Ética Contra a Corrupção de 2016",
e que os comunistas insistiram em chamar de golpe.
- Geraldinho, esquece o
que está escrito aí, eu estava lá e posso te assegurar que não foi dessa forma,
na época eles armaram a maior e mais bestial farsa, jurídica, parlamentar e
midiática, jamais vista na face da terra, até então. Nem o Spielberg
conseguiria inventar um roteiro tão mirabolante, como o Golpe de 2016 do
Brasil, eles foram geniais. A mídia era tão forte e tão bem feita, que eu mesmo,
muitas vezes duvidei de ser golpe. A Dilma foi julgada por um congresso e
um senado de políticos corruptos, que compraram o judiciário com um
aumento salarial de 41%, inventaram um crime, forjaram provas, testemunhos,
delações premiadas, sim já naquela época premiavam os políticos corruptos, para
que fizessem delações, da mesma forma como vocês são premiados por delatarem os
professores que emitirem opiniões contrárias, ao que ficou estabelecido, após o
golpe. Privatizaram tudo, até a água que nós bebemos, hoje pertence à Coca-Cola,
antes era um bem público, nossas riquezas se esvaíram, nossas reservas de
petróleo do pré-sal foram entregues de mão beijada para o capital externo, pelo
José Serra, um entreguista e traidor da Nação, que hoje é venerado, por seus
asseclas e virou até nome de avenida. Inventaram essa tal de escola sem
partido, excluindo o senso crítico de vocês, impedindo-os de pensar e ter as
próprias opiniões, transformando-os em fiscais e dedos duros num sistema
nojento de ensino. Eu estou com 73 anos, já não aguento mais, ainda faltam dois
anos para que eu me aposente, não sei se eu chego até lá. Antes do golpe de
2016, nos aposentávamos por tempo de serviço, recebíamos pelas horas extras,
tínhamos salários durante as férias, os trabalhadores recebiam adicional
noturno, a jornada de trabalho era de no máximo 8 horas diárias e não 12
horas, os professores tinham plano de carreira, e progressão
continuada de salários, até usufruíamos de tratamento no hospital do
servidor público. Hoje temos esse plano de saúde dito popular, que é privado e
mequetrefe, vem obrigatoriamente descontado em folha, pagamos para não termos
atendimento quando mais precisamos. E nem erámos terceirizados, como agora
somos, por essas empresas dos amiguinhos e familiares dos governistas
golpistas, que ficam com mais da metade do nosso salário. Portanto, decidi
dar-lhes hoje a aula que eu sempre sonhei, sem medo.
Os alunos observavam
atônitos, estavam vidrados, nunca se fez um silêncio tão profundo nas aulas do
velho professor, como naquele dia...